quinta-feira, dezembro 12, 2024

Bula de remédio é tema de polêmica

Maioria dos brasileiros é contra a substituição da versão impressa pela digital, proposta levanta discussão sobre acessibilidade

A substituição da versão impressa de bulas de medicamentos pela digital tem gerado preocupação e levantado discussões sobre acessibilidade e segurança da informação.

A Resolução de Diretoria Colegiada 885 (RDC 885/2024) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) prevê que, gradualmente, as bulas sejam acessadas, exclusivamente, por meios digitais.

O Projeto de Lei nº 3.846/2021, que autoriza o uso de QR Codes nas embalagens de medicamentos para direcionar o consumidor a uma bula digital, foi aprovado em 2022 pelo Senado. A proposta foi considerada uma modernização da comunicação de saúde. No total, recebeu 52 votos favoráveis, dez contrários e uma abstenção.

No entanto, 81% da população brasileira com 16 anos ou mais se posicionam contra a exclusão da bula impressa dos medicamentos, segundo pesquisa Datafolha, realizada este ano. O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) defende que a iniciativa pode aprofundar a desigualdade digital no país, uma vez que uma parcela significativa da população ainda carece de acesso regular à internet e habilidades para utilizar tecnologias digitais de forma segura.

Além disso, a medida é apontada como um agravante dos riscos de intoxicação por uso inadequado de medicamentos. Para 83% dos respondentes da pesquisa Datafolha, sem a bula impressa, algum amigo ou parente poderia ter problemas de saúde por falta de informações sobre os medicamentos.

Diferentes situações que exemplificam a preocupação. Quando consumido em excesso, os efeitos do Noripurum incluem sintomas como vômitos, diarreia e dor abdominal, além da possibilidade de lesão hepática, conforme o Manual MSD. O remédio é indicado para o tratamento das anemias nutricionais, mas deve ser consumido com cuidado.

O paracetamol é indicado como analgésico e antitérmico para casos de dores e febre. No entanto, a Anvisa alerta que o uso de forma excessiva pode ocasionar eventos adversos graves, como hepatite medicamentosa e até morte. Por isso, a recomendação é observar a dose máxima diária e os intervalos na bula do medicamento.

Bula digital deve ser complementar

De acordo com o Idec, a implementação das bulas digitais não prejudica os consumidores, desde que seja devidamente supervisionada pela Anvisa e oferecida como uma opção adicional, e não como o único meio de acesso às informações sobre o medicamento. 

O Ministério Público Federal (MPF) também defende que a adoção da bula digital deve ser uma alternativa, não uma substituição do formato impresso, considerando o elevado índice de automedicação e as dificuldades de acesso à internet e dispositivos digitais que muitos brasileiros enfrentam. 

O levantamento do Datafolha mostra que 45% das pessoas gostariam dos dois formatos, enquanto 42% optam apenas pela bula impressa e 11% demonstram preferência pela versão digital.

Primeiras implementações

A Anvisa estabeleceu a implementação do projeto de digitalização das bulas em duas etapas. A primeira, prevista até o final de 2026, engloba amostras grátis e medicamentos destinados a estabelecimentos de saúde, com exceção de farmácias e drogarias.

O documento digital deve apresentar todas as informações necessárias. Por exemplo, um paciente que teve a recomendação médica de uso do anticoagulante Xarelto deve encontrar todas as orientações necessárias ao acessar a bula on-line. 

Isso inclui informações sobre o que é, como funciona o Xarelto, prescrição, preparação, administração, advertência e informações para a segurança no uso e um tratamento eficaz.

A versão digital da bula também pode incluir conteúdos multimídia, como vídeos e infográficos, para facilitar a compreensão sobre o uso correto do medicamento. 

Após a avaliação dos resultados dessa fase, a Anvisa considera expandir o formato digital para outros tipos de medicamentos em uma segunda etapa, mas sem definição de prazo ou abrangência final.

De acordo com o diretor do órgão regulador e responsável pelo relatório do projeto, Daniel Pereira, a proposta está em conformidade com as tendências internacionais e tem como objetivo promover a modernização e a transformação digital no setor de saúde.

O projeto-piloto informa ainda que, caso sejam solicitadas por pacientes ou profissionais de saúde, as bulas impressas devem ser oferecidas pelos estabelecimentos, que devem informar a possibilidade aos consumidores.

No entanto, o MPF destaca que o texto aprovado não especifica quem arcará com os custos de impressão e quem assumirá a responsabilidade pela fiscalização pública, em caso de descumprimento. Também não é estimado o impacto de um possível aumento na judicialização, caso haja recusa na disponibilização da bula impressa.

O MPF reforça, ainda, que faz sentido que o formato principal da bula seja totalmente digital no futuro. No entanto, explica que uma transição segura exige a implementação de infraestrutura e logística adequadas, para que nenhum local ou grupo social seja excluído do acesso a informações essenciais. 

RELACIONADOS

Mais Visualizados